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Cheguei no trabalho hoje de manhã. As pessoas reclamam das segunda-feiras. Eu gosto. Normalmente chego bem humorado.
Tirei o laptop da bolsa, e sentei a mesa para começar a trabalhar. Olhei para meu colega no lado oposto da sala e perguntei sobre o final de semana.
– Minha filha…
– Tua filha o quê? Aconteceu algo?
– Tem namorado.
Fiquei sem saber como reagir. Como assim, tem namorado?
A história é que no sábado estava a família toda em casa. A filha de 11 anos comunicou o fato via Internet. Ela estava no quarto e atualizou o status no Facebook “In a relationship”. O pai, na sala assistindo o jogo na TV. A mãe estava no computador e foi a primeira a notar. Como assim, “em um relacionamento”?
A filha desceu a escada e encontrou os dois ainda conferindo se estavam lendo certo, se tinham entendido corretamente.
– Ah, vocês já viram. Comecei a namorar.
Hoje em dia, nós não contamos as novidades para as pessoas ao nosso redor. Nós contamos as novidades para o mundo. Ontem a noite, fiz um tweet dizendo que tinha gostado do vinho Australiano que experimentei no Sábado. Não que alguém se interesse…
Nossos dados pessoais estão em banco de dados. O governo tem informações, o banco, a escola, a academia, o supermercado… todo mundo sabe da nossa vida. Quando falamos no telefone, a ligação é completada digitalmente, na rede. Como vamos saber se tem alguém ouvindo? Os aeroportos estão instalando máquinas de raio X que podem ver através da roupa. Cameras estão instaladas em shopping centers, escolas, clubes. Celulares vem com vídeo embutido, então qualquer um pode gravar cenas e transmitir imediatamente para o mundo.
Antes, eu segmentava meus grupos de amigos (tinha os amigos do trabalho, meus amigos mais próximos, os amigos da faculdade, a familia,..) e mantinha uma imagem pessoal diferente para cada um deles.
Agora, tudo o que digo ou faço, mesmo que em um ambiente semi-privado, tenho que assumir que todo mundo sabe. E se não sabem, não é difícil dar um Google e descobrir.
Pelo menos para mim, o efeito da perda da privacide é forçar a ser mais transparente, mais coerente. É mais difícil dizer meia-verdades. Embora tenha um esforço inicial, acho que isso me libera da necessidade de manter personalidades diferentes, dependendo do grupo de pessoas com quem estou.
Outro dia, escrevi sobre o recenseamento e sobre minha experiência de responder perguntas sobre nacionalidade e cor da pele. Nos comentários que seguiram, saiu uma discussão sobre a relação entre defesa da privacidade e liberdade.
Eu estou totalmente de acordo. Do ponto de vista social, como não vivemos num mundo perfeito, a defesa da privacidade e da capacidade de conspirar contra o governo, as instituições ou seja lá quem nos oprime é importante para manter a liberdade.
Mas do ponto de vista individual, embora não tenha certeza, estou pensando que a perda da privacidade nos ajuda a conquistar liberdade real de ser quem somos. Unifica nossas facetas. Não tenho mais partes privadas da minha vida que tenho que tentar proteger.
Perda da privacidade não só não significa perda da liberdade, mas pode se o empurrão que precisávamos para sermos nós mesmos?